sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Lenda Norueguesa

Conta uma lenda norueguesa que um certo Haakon cuidava de uma ermida. Venerava-se ali um crucifixo muito antio, e os habitantes dos arredores iam até lá para pedir graças. Um dia, impelido por um sentimento generoso, o ermitão quis também fazer um pedido, ajoelhou-se diante da cruz e disse:
- Senhor, quero padecer por Vós. Deixai-me ocupar o vosso lugar nesse crucifixo.
O Senhor abriu os lábios e disse-lhe:
- Meu querido servo, acedo ao seu desejo, mas tem que ser com uma condição.
- Qual, Senhor? É uma condição difícil? Estou disposto a cumpri-la com a Vossa ajuda!
- Olha, aconteça o que acontecer, e veja o que vir, deve guardar silêncio para sempre.
Haakon respondeu:
- Prometo, Senhor!
E fez-se a mudança. Ninguém percebeu a troca. Ninguém reconheceu o ermitão, preso com os pregos na cruz. O Senhor ocupava o lugar de Haakon. E este, por longo tempo cumpriu a promessa, não dizendo nada à ninguém.
Um dia, chegou um rico que, depois de ter orado, esqueceu ali sua bolsa. Haakon viu e ficou calado. Também não disse nada quando um pobre, que veio duas horas depois, se apropriou da bolsa do rico. E também não disse nada quando, pouco depois, um rapaz se postou diante dele para pedir uma graça antes de empreender em uma longa viagem. Mas nesse momento voltou a entrar o rico, em busca de sua bolsa. Não a achando, pensou que o rapaz se havia apossado dela e, irado, disse-lhe:
- Dê-me a bolsa que você roubou!
O jovem, surpreso, replicou:
- Não roubei nenhuma bolsa.
- Não minta, devolva-me imediatamente!
- Repito que não peguei nenhuma bolsa.
Furioso, o rico lançou-se contra ele. Ouviu-se então uma voz forte:
- Pare!
O rico olhou para cima e viu que a imagem lhe falava: era Haakon, que lhe gritava e o censurava pela falsa acusação. Abatido, o rico saiu da ermida. O Jovem saiu também, porque tinha pressa em empreender sua viagem. Quando a ermida ficou vazia, Cristo dirigiu-se ao seu servo e disse-lhe:
- Desça da cruz. Você não serve para ocupar o meu posto. Não soube guardar silêncio.
- Senhor, como podia eu permitir essa injustiça?
Jesus voltou a ocupar a cruz e o ermitão viu-se diante dela. O senhor prossegui:
- Você não sabia que convinha ao rico perder a bolsa, pois levava nela o preço do pecado de uma jovem mulher; o pobre, pelo contrário, tinha necessidade desse dinheiro e fez bem em levá-lo. E quanto ao rapaz que ia ser agredido, as suas feridas tê-lo-iam impedido de realizar a viagem, que para ele se tornou fatal: faz uns minutos, acaba de afunda-se o barco e ele perdeu a vida. Você não sabia nada. Eu sei. Por isso me calo...
Os silêncios de Deus às vezes nos desconcertam. Às vezes, parece que permite coisas ou situações injustas. Mas Ele sabe o que faz e nós não. É preciso manter sempre inabalável a confiança nEle, mesmo que não se entenda. É uma grande ciência aprender a receber as coisas vendo por trás delas a mão de Deus, mesmo que pareçam adversas.
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(CINTRA, Luiz Fernando. Porque mortificar-se? O valor do sacrifício. São Paulo: Quadrante, 2009. P. 41-43)

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