domingo, 30 de agosto de 2009

Ser Santo

Ser Santo

O que é ser Santo?

Dentre diversos padrões criados para chegar à santificação, acredito em outros também. Ter uma vida honesta, honrar os pais, providenciar para si mesmo uma vida reta e segui-la, constituir uma família e viver por ela, manter princípios morais, educar os filhos em todos os sentidos e, também como parte da educação, ser um exemplo para seus descendentes.

Assim foi meu pai.

Meu pai nos deixou na madrugada do último sábado. Deixou-nos fisicamente... seu corpo não resistiu aos vírus, bactérias que tanto o incomodaram nos últimos meses. Seu organismo lutou intensamente, bravamente até o último instante. Assim com meu pai foi um lutador durante toda a sua vida, seu organismo também o foi. Não desistiu um instante sequer. Não cedeu um milímetro daquilo que ele sempre acreditou e viveu: nem seu corpo, nem sua alma, nem seu espírito. Manteve seus princípios éticos e morais até o último instante de sua vida.

Certamente foi seduzido por inúmeras vezes em sua vida, pela vida fácil, pela soberba, pelo materialismo, por padrões amorais e incorretos. Assim também as bactérias e vírus assediaram-no muitas vezes, mas ele nunca cedeu.

Foi vencido na última batalha dessa grande guerra? Não, certamente que não. As bactérias tomaram seu substrato material, que, ao contrário do que possam pensar, vai intoxicá-las e destruí-las invariavelmente durante os próximos dias. Seu corpo era material, apenas um meio pelo qual seu verdadeiro eu, sua bondosa alma, seu espírito de luz vivera durante os últimos setenta e cinco anos, distribuindo carisma, construindo um caráter exemplarmente inabalável.

Choramos pela perda da presença material, mas alegramo-nos pela sobrevivência espiritual. E ele, indubitavelmente, nos conduzirá ainda pelo resto de nossas vidas. De agora em diante, observando-nos de outro ângulo, e conduzindo-nos sempre que puder, intercedendo ao Criador por nossas vidas, sempre que isso for permitido.

Aqui, ao nosso lado, percebíamos sua presença física. Questionamo-lo inúmeras vezes sobre nossas dúvidas, agonias e ansiedades, e ouvimos seus sábios conselhos, suas orientações infalíveis, seu olhar amoroso, seu carinho disfarçado, sua providencial presença, suas preocupações sobre nossas vidas e nossos destinos.

Agora chegou a hora de seguirmos adiante sozinhos, mas acompanhados. Sozinhos fisicamente, olhando o mundo muito mais atentamente do que o percebíamos antes, e aplicarmos tudo aquilo que ele nos ensinou através de seu exemplo de ser. Teremos a certeza de que ele nunca nos abandonou; ao contrário, estará mais presente do que nunca, conduzindo-nos lá de cima, cuidando para que continuemos a ser como ele, e assim possamos ensinar e educar nossos filhos como ele o fez conosco. Padrões éticos, morais, cristãos, fé, perseverança, alegria, preocupação, providencial, amoroso, carinhoso a seu modo, intelectual, e tantas outras qualificações que o descreviam como o modelo de caminho à perfeição, modelo a seguir para, quando chegar nosso momento, termos também a certeza de que nossa missão terrena se cumpriu e que seguiremos também ao seu encontrou, junto ao Pai Eterno.

Pai, o Sr. fará muita falta. Mas o Sr. também nos preparou para enfrentar essa falta.

Esperamos ter aprendido.

Londrina, 29/08/2009.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Lenda Norueguesa

Conta uma lenda norueguesa que um certo Haakon cuidava de uma ermida. Venerava-se ali um crucifixo muito antio, e os habitantes dos arredores iam até lá para pedir graças. Um dia, impelido por um sentimento generoso, o ermitão quis também fazer um pedido, ajoelhou-se diante da cruz e disse:
- Senhor, quero padecer por Vós. Deixai-me ocupar o vosso lugar nesse crucifixo.
O Senhor abriu os lábios e disse-lhe:
- Meu querido servo, acedo ao seu desejo, mas tem que ser com uma condição.
- Qual, Senhor? É uma condição difícil? Estou disposto a cumpri-la com a Vossa ajuda!
- Olha, aconteça o que acontecer, e veja o que vir, deve guardar silêncio para sempre.
Haakon respondeu:
- Prometo, Senhor!
E fez-se a mudança. Ninguém percebeu a troca. Ninguém reconheceu o ermitão, preso com os pregos na cruz. O Senhor ocupava o lugar de Haakon. E este, por longo tempo cumpriu a promessa, não dizendo nada à ninguém.
Um dia, chegou um rico que, depois de ter orado, esqueceu ali sua bolsa. Haakon viu e ficou calado. Também não disse nada quando um pobre, que veio duas horas depois, se apropriou da bolsa do rico. E também não disse nada quando, pouco depois, um rapaz se postou diante dele para pedir uma graça antes de empreender em uma longa viagem. Mas nesse momento voltou a entrar o rico, em busca de sua bolsa. Não a achando, pensou que o rapaz se havia apossado dela e, irado, disse-lhe:
- Dê-me a bolsa que você roubou!
O jovem, surpreso, replicou:
- Não roubei nenhuma bolsa.
- Não minta, devolva-me imediatamente!
- Repito que não peguei nenhuma bolsa.
Furioso, o rico lançou-se contra ele. Ouviu-se então uma voz forte:
- Pare!
O rico olhou para cima e viu que a imagem lhe falava: era Haakon, que lhe gritava e o censurava pela falsa acusação. Abatido, o rico saiu da ermida. O Jovem saiu também, porque tinha pressa em empreender sua viagem. Quando a ermida ficou vazia, Cristo dirigiu-se ao seu servo e disse-lhe:
- Desça da cruz. Você não serve para ocupar o meu posto. Não soube guardar silêncio.
- Senhor, como podia eu permitir essa injustiça?
Jesus voltou a ocupar a cruz e o ermitão viu-se diante dela. O senhor prossegui:
- Você não sabia que convinha ao rico perder a bolsa, pois levava nela o preço do pecado de uma jovem mulher; o pobre, pelo contrário, tinha necessidade desse dinheiro e fez bem em levá-lo. E quanto ao rapaz que ia ser agredido, as suas feridas tê-lo-iam impedido de realizar a viagem, que para ele se tornou fatal: faz uns minutos, acaba de afunda-se o barco e ele perdeu a vida. Você não sabia nada. Eu sei. Por isso me calo...
Os silêncios de Deus às vezes nos desconcertam. Às vezes, parece que permite coisas ou situações injustas. Mas Ele sabe o que faz e nós não. É preciso manter sempre inabalável a confiança nEle, mesmo que não se entenda. É uma grande ciência aprender a receber as coisas vendo por trás delas a mão de Deus, mesmo que pareçam adversas.
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(CINTRA, Luiz Fernando. Porque mortificar-se? O valor do sacrifício. São Paulo: Quadrante, 2009. P. 41-43)